
Ah se eu soubesse naquela época o que eu sei hoje…
Carta aberta para o Moacir em 1985
Olá Moacir,
Sei que você é um tanto tímido e às vezes se sente um peixe fora d’água em certos lugares e ocasiões. Isso também acontecerá com você depois dos 50 anos. Portanto, vai se acostumando aí.
Mas preste atenção numa coisa: a sua escolha profissional para fazer Letras e ser professor não foi um acidente não. O seu professor no primeiro ano colegial (o curso vai mudar de nome depois mas não melhorar na qualidade ), o Valdir, Sabe quem é, né? Ele viu em você um grande potencial para idiomas, no caso dele, inglês. Também tem o irmão Santiago, da igreja – aquele motorista de táxi (um fuscão verde), ele te convidou para ensinar a lição da escola sabatina para jovens e adultos quando você tinha 15 anos, e Deus abriu as portas.
Claro, você vai ter medo. Às vezes, alguns alunos vão saber mais do que você, uns de fato, outros se achando (risos). Mas você vai inspirá-los a continuar aprendendo e desenvolvendo suas habilidades linguísticas.
Logo mais você vai ser convidado para dar aulas na escola adventista da Alvorada na Lapa, estando ainda no seu segundo ano da faculdade e sem ter a menor ideia de como lidar com alunos entre 5 e 17 anos. Principalmente os alunos da 7a. e 8a. séries vão lhe dar muita dor de cabeça, provocar, ridicularizar, chacotear, até mesmo jogar apagador em você quando der as costas pra eles. Por falta de apoio, orientação e experiência você vai fracassar e desistir do ensino. Mas alguns anos depois vai cruzar com alguns dos alunos e eles vão te agradecer pelas aulas e pelo gosto pela língua inglesa.
Você vai buscar trabalho como funcionário público da Caixa Econômica Federal, ganhando o dobro do que ganharia dando aulas, sem falar na estabilidade e carreira vitalícia, mas vai continuar insatisfeito. Vai voltar a dar algumas aulas à noite – como bico – mas logo descobrirá que ensinar é o que vc gosta mesmo de fazer.
Ao pedir demissão do emprego estável e sólido vai se aventurar pelo mundo dando aula de inglês em escolas de idiomas e empresas. Terá que acordar bem cedo (5 da matina) a fim de atravessar São Paulo de ônibus e metrô desde a Freguesia do Ó até Santo Amaro e São Bernardo para dar uma ou duas aulas em empresas. Vai passar os intervalos procurando uma sombra para sentar e esperar a próxima aula, já que a distância impede voltar para casa. A sua última aula vai terminar às 10:45 da noite e mais uma hora e meia de viagem para voltar para casa. Mas ânimo, trabalhar com o que você ama não vai te deixar doente. Continue aprendendo e crescendo. Vai chegar o dia que vc poderá escolher os horários que quer trabalhar e até mesmo trabalhar via video – como se fosse televisão… chique hein?
Busque sempre o profissionalismo ao lidar com seus alunos e clientes. Sim, você poderá se socializar com eles, mas lembre-se de que o seu trabalho é de ser o professor e não o coleguinha deles.
Não se deixe abater se alguém lhe desprezar por ser “apenas” um professor, ou porque você não é nativo de país de língua inglesa, ou porque você nunca viajou para fora do estado de São Paulo.
Mais alguns anos e você terá o privilégio de visitar e lecionar em diferentes países. Você será convidado para pregar em inglês num igreja da Cidade do Cabo, na África do Sul. Você será chamado de Program Director numa escola nos EUA, dará aulas na York College em Ontário no Canadá e aulas na Irlanda (depois você olha no mapa para ver onde fica, tá?). Você vai viajar até a China falando inglês e espanhol. Dá pra acreditar?
Sim, Deus fará coisas maravilhosas por você que cresceu usando chinelos de dedo e shorts feitos em casa (sem nem mesmo ter cuecas). Vai demorar ainda uns 20 anos mas você vai alcançar o topo da sua carreira, até mesmo ser convidado para palestrar em conferências sobre o ensino da língua inglesa, em países como a Costa Rica, Canada e EUA.
Não me pergunte como, você vai descobrir aos poucos. Continue aprendendo, crescendo, fazendo o seu melhor e a recompensa virá em diferentes formas.
Gosto muito de você. Se cuide, viu?
Abraços,
Moacir
